Brumadinho: situações concretas motivam diferenças nos valores das indenizações
Os casos envolvem a morte de uma engenheira e os traumas psíquicos de um motorista que sobreviveu ao rompimento da barragem
Em dois casos julgados recentemente, Turmas do Tribunal Superior do Trabalho examinaram indenizações a serem pagas pela Vale S.A. a familiares de vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. As decisões levaram em conta aspectos específicos de cada caso e resultaram em valores diferentes a título de reparação.
Oito dias
No primeiro processo, a Terceira manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização de R$ 2 milhões aos pais de uma engenheira. Com 30 anos e cinco anos de serviço, ela atuava como supervisora de perfuração e desmonte e estava no refeitório da Mina do Feijão quando a barragem rompeu.
Na reclamação trabalhista, os pais, ambos com mais de 70 anos, relataram o sofrimento pelo qual passaram ao ver, pela televisão, as imagens do acidente e ao acompanhar os resgates. Seu corpo somente foi reconhecido pelo Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (MG) oito dias depois do rompimento. Depois do enterro, os pais passaram a sofrer problemas físicos e psicológicos, com visões recorrentes das condições da morte.
Sofrimento extremo
Ao condenar a Vale ao pagamento de indenização, o juízo de primeira instância considerou que a perda da única filha do casal de forma tão trágica e precoce não deixa espaço para dúvidas acerca do sofrimento extremo dos pais. A fixação do valor levou em conta, entre outros aspectos, a reincidência do evento (ocorrido após rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, quatro anos antes), a capacidade econômica da empresa, que em 2018 registrara lucro de mais de R$ 25 bilhões de reais.
A sentença também condenou a mineradora ao reembolso das despesas com tratamento médico, psicológico e psiquiátrico dos pais da vítima.
Solução intermediária
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), contudo, acolheu parcialmente recurso ordinário da Vale e reduziu o valor da indenização para R$ 654 mil para cada um (pai e mãe), definindo o total de R$1.308. Segundo o TRT, a empresa havia firmado compromisso de pagamento de indenização de R$ 500 mil a familiares das vítimas, mas os pais da engenheira não haviam aderido ao acordo, conduzido pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). “Portanto, aqui cabe uma solução intermediária, que tem por finalidade adequar a presente situação”, registrou a decisão.
Proporcionalidade e razoabilidade
No julgamento do recurso de revista dos pais da engenheira, a Terceira Turma, por unanimidade, restabeleceu a sentença, determinando o pagamento de indenização de R$ 1 milhão para cada um dos deles. Para o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, o montante arbitrado pelo TRT não atendia aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando em consideração o acidente de trabalho fatal, as circunstâncias em que ele ocorreu, o nexo causal, o tempo de serviço prestado à empresa, a idade da empregada, o grau de culpa da empresa e sua condição econômica e o caráter pedagógico da medida.
Risco potencializado
O ministro assinalou que a adoção, pela mineradora, de barragens a montante para estocar os rejeitos da extração mineral potencializa o risco da atividade, em razão da possibilidade de seu abrupto rompimento. Ele também destacou que o refeitório fora construído no trajeto da lama tóxica,que as sirenes não soaram no dia do rompimento e que a Vale havia identificado problemas nos dados dos sensores que monitoravam a estrutura da barragem, mas não providenciou a evacuação das áreas de risco.
Ainda, de acordo com o relator, os montantes previstos no acordo celebrado pela Vale em parceria com o MPT não representam um teto indenizatório e, portanto, não inviabiliza o deferimento de indenizações em valores superiores.
A decisão foi unânime.
Doenças psíquicas
No outro julgamento envolvendo o rompimento da barragem em Brumadinho, a Oitava Turma reduziu de R$ 500 mil para R$ 200 mil o valor da indenização a ser paga à família de um motorista em razão dos distúrbios psicológicos sofridos após o episódio.
A ação fora ajuizada em novembro de 2019 pelo próprio empregado, que sobrevivera ao acidente por ter subido no tanque do caminhão. Segundo ele, as imagens dos corpos desmembrados de colegas de trabalho em meio à lama o levaram a sérios distúrbios psicológicos e a trauma profundo. Em razão de um câncer renal, ele faleceu três meses após o ajuizamento da ação, e seus herdeiros levaram o processo adiante.
Nesse caso, a 6ª Vara do Trabalho de Betim (MG) condenou a Vale a pagar R$ 100 mil de indenização, mas o TRT aumentou o valor indenizatório para R$ 500 mil, também com base no acordo firmado pela empresa na ação civil pública ajuizada pelo MPT. Para o TRT, embora não tivesse falecido em decorrência do rompimento, o motorista havia suportado graves consequências psíquicas, e seu sofrimento era equiparável ao dos parentes das vítimas.
Prevaleceu, no julgamento do recurso de revista da Vale, o voto do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que considerou exorbitante o valor R$ 500 mil, tendo em vista que a causa de pedir no processo não dizia respeito à morte, mas a moléstias psíquicas. A seu ver, apesar do trauma da tragédia, a quantia fixada no acordo para familiares de pessoas que morreram ou desapareceram no desastre não pode ser igual à de um caso em que a vítima não perdeu a vida.
A decisão foi por maioria, vencida a ministra Delaíde Miranda Arantes.
Processos: RRAg-10426-84.2019.5.03.0135 e RR-10978-62.2019.5.03.0163
TST