A construção de um trabalho flexível

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Post no Blog da Gabriela Brasil

Já tem uns 8 anos que eu trabalho de maneira remota. Em 2013 eu realizei uma transição de carreira e deixei de trabalhar como produtora audiovisual para focar na construção da minha empresa, que eu nem sabia muito bem o que era em 2013, confesso.

Comecei a trabalhar com organização realizando laboratórios e fui me encontrando. A organização digital começou em 2014 e foi quando comecei a pensar em modelos de trabalho que me permitissem mais liberdade geográfica e liberdade de tempo, porque adoro viajar e curtir meu tempo livre.

Nesse vídeo mais antigo eu conto sobre minha trajetória para atuar com organização digital.

Em 2014 eu fazia atendimentos presenciais pois trabalhava com organização residencial e digital, ajudando as pessoas a organizarem seus pertences e seus espaços. Com a mudança de país em 2015 eu tive que adaptar todo o meu fluxo de trabalho e os atendimentos passaram todos a ser online. O que na época parecia um grande desafio, eu encarei como uma oportunidade de construção do trabalho flexível que eu sempre quis.

Com o passar dos anos esse modelo de trabalho remoto foi ficando mais organizado e simples, pois aprendi a trabalhar remotamente, da minha casa ou de qualquer lugar. Não tenho mais as neuras de antes em relação a quando e como eu deveria estar fazendo meu trabalho. Aprendi a focar no processo e nas entregas, mais do que na quantidade de horas trabalhadas.

Tive várias experiências que me ajudaram a construir a estrutura e o estilo de vida que o trabalho apresenta. E sei que essa não foi a realidade de muita gente que começou a trabalhar remotamente depois da pandemia, afinal, no olho do furacão a adaptação veio na marra para muitos.

E para outros, a reprodução do presencial no online continua é causando muita dor de cabeça.

Com o trabalho remoto e times distribuídos a gente consegue observar claramente algumas mudanças no dia a dia das pessoas:

Mais tempo em casa permite mais tempo com a família e menos no trabalho. Isso muda a dinâmica das relações. Sem festas, conferências, eventinhos, o círculo social fica mais seletivo. Isso muda nossa agenda.O trabalho fica todo online e o tempo em frente as telas aumenta bruscamente. Isso pode gerar mais ansiedade e sobrecarga mental.

Mesmo com o retorno aos escritórios em 2021, várias instituições não conseguem lidar com o básico de um modelo híbrido. E mesmo querendo descansar e realizar uma negociação entre o tempo trabalho-vida, na prática ainda há um longo caminho a se trilhar pra isso.

Organizações que estão valorizando o trabalho remoto – e a flexibilidade – estão retendo e atraindo talentos. Os lugares que estão em busca do equilíbrio trabalho-vida, construindo uma cultura baseada em segurança psicológica e saúde mental, constroem igualmente uma cultura de produtividade e sucesso a longo prazo.

A semana de 4 dias de trabalho é um caminho. Na nossa era de trabalho que valoriza conhecimento e colaboração, esse caminho é possível, mas demanda organização, otimizando recursos e focando no que importa para o progresso.

Acontece que sempre há um e-mail, uma reunião, uma ideia nova para ser discutida. Não é de se estranhar que muitos de nós sintam que “não podem parar”, que “não é suficiente” e que “não aguentam mais” e continuam seguindo.

Desconectar do trabalho não é a regra da nossa sociedade. E isso está cansando todo mundo, afetando não apenas a qualidade do trabalho, mas também a qualidade da vida. Mesmo querendo ficar indisponível e desligar do trabalho, muitas pessoas simplesmente não conseguem. Essa incapacidade de desconectar do trabalho se deve a que?

Falta de processos que geram autonomia para o time? Cultura de reuniões (uma atrás da outra)? Whatsapp como ferramenta principal? Desorganização? Hábitos workaholics?

Não é errado perseguir sonhos ou trabalhar intensamente pelo que se quer. O negócio é aprender a enxergar que o suficiente tem o seu valor e organizar os recursos para realizar o melhor com o que se tem. E claro, não se esquecer de desconectar e descansar.

Estando em uma cultura imediatista e que valoriza a rotina overwork, acabamos vivendo e reproduzindo a lógica de que “tempo bom é tempo ocupado”. No entanto, o planejamento e organização nos ajudam a perceber com o tempo que poucas horas focadas de trabalho rendem muito mais do que longas horas de trabalho sem foco.

Como aponta Alex Soojung Pang no seu livro Shorter:

Qualquer um pode sentar-se em uma cadeira por doze horas, e os trabalhadores que costumam trabalhar muitas horas precisam de treinamento, não de prêmios. As empresas que reduzem suas horas de trabalho priorizam o foco ao longo do tempo: algumas horas de intensa concentração ou trabalho em equipe altamente eficaz são muito mais valiosas do que um dia longo e menos focado.

Acredito que o caminho de um trabalho flexível passa pela reorganização das atividades conectando-as com os ritmos da natureza, ciclos circadianos e rituais humanizados. Além da reavaliação das formas de troca e comunicação, preservando os tempos e espaços criativos e contemplativos tão importantes para nossa saúde. Mas vivemos uma bomba relógio de desigualdade e infelizmente a alternativa é ainda, para poucos.

Não são todos os trabalhadores que conseguem fazer seus trabalhos por e-mail, Whatsapp e Zoom. Nos setores da saúde, comércio, transporte muitos trabalhadores continuaram a ir para o ambiente tradicional do trabalho, mesmo com os riscos na pandemia. Tenho muitos amigos artistas e comunicólogos que também mantiveram o trabalho presencial, afinal, boletos chegam né.

Compartilho na sequência, algumas práticas que podem ser adotadas em qualquer setor. São práticas para reduzir distrações e direcionar o tempo para o trabalho prioritário, trazendo mais flexibilidade. São elas:

1. MÍNIMO ESFORÇO SEMANAL X MÁXIMO ESFORÇO SEMANAL

Minha rotina já tem um nível de flexibilidade, que eu sei o que eu posso negociar. Tem dias que não trabalho em uma terça para trabalhar no domingo, por exemplo. Por isso, gosto de estabelecer um mínimo esforço semanal e um máximo esforço semanal em relação a horas trabalhadas.

Por semana o mínimo de esforço que eu preciso são de 10 horas. E o máximo de 35 horas.

2. TEMAS PARA OS DIAS DE TRABALHO

Divido a minha semana em dias de gerenciamento/atendimentos e outros de criação/produção.

A agenda de gerenciamento é mais picada, com reuniões que envolvem atendimento ao cliente, entrevistas, acompanhamento de processos com a equipe. Prefiro fazer essa agenda do meio pro final da semana e reservar segunda e terça para agenda de criação e produção, pois volto do final de semana com a cabeça mais fresca para esse tipo de trabalho.

Aos domingos é sagrado o momento do planejamento semanal.

Esses temas funcionam como rituais para o meu dia e me ajudam a tomar decisões com facilidade, me dando mais flexibilidade na agenda.

3. BLOCOS DE TEMPO DE PROJETOS

Por semana busco dedicar pelo menos 15 horas do meu trabalho aos projetos mais importantes. Parece pouco, mas não é. Considerando que o espaço do atendimento, gerência e produção não fazem parte dessas 15 horas, o que sobra são os projetos que nos levam a expansão do negócio, como produção de aulas, melhorias dos cursos, produção de treinamentos e palestras, etc.

Quando não existe um espaço reservado para os projetos na agenda, a tendência é fazer o que aparece na frente mesmo, de acordo com a agenda dos outros, muitas vezes. Ou ainda, nem chegar a tocar nos projetos por conta da falta de tempo. Esse é um dos cenários que a mente sobrecarregada conhece bem.

4. RITUAIS DE PLANEJAMENTO E REVISÃO

Uma vez por semana, geralmente aos domingos, tiro de 1 a 2 horas do meu dia para realizar:

Revisão da Semana

Planejamento da Agenda Semanal

Planejamento do Menu Semanal

Planejamento de Finanças Pessoais

Planejamento de Finanças da Empresa

Caso eu não realize esse planejamento a semana corre muito mais bagunçada. Faz muuuuito tempo que isso não acontece porque pra mim o planejamento já é um hábito. Olhar com carinho e estabelecer os próximos passos para o seu dia possibilita espaços de negociação e até mesmo, o encontro com o acaso.

5. ASYNC NOT ASAP

Ao invés de uma cultura “ASAP (as soon as possible, o quanto antes possível em português)”, buscamos no ambiente de trabalho o fortalecimento de uma cultura “ASYNC (assíncrona).

Isso significa que cada um trabalha na hora que convém, respeitando os prazos que temos acordados.

Usamos aqui na empresa o sistema de comunicação da Twist, que reforça o conceito de cultura assíncrona. Usamos o email muito pouco, nada de contatos em redes sociais e Whats só para urgências.

6. MEU RITMO, NÃO O DO ALGORITMO

Por fim, mas não menos importante, o ritmo do trabalho flexível é o ritmo humano e não o do algoritmo.

Seguir na velocidade disruptiva da internet ficou puxado pra mim há muitos anos, pois me considero heavy user.

Mas não consigo. Nem quero dar conta desse ritmo insano que não tem um minuto de silêncio.

No mundo de hoje, todos temos uma marca pessoal. Instagram é ao mesmo tempo CV e date profile. Que bode.

Enquanto produtora de conteúdo, tenho buscado retornar ao blog, à newsletter e acolher mais o meu lugar de escrita ao invés de surtar pelo post que o algoritmo não mostrou pra todos.

Sinto que estamos atrás de conexão, sendo abduzidos pelos algoritmos. Tenho buscado então, construir suporte pela comunidade, trazendo uma troca mais próxima do que no cansaço das redes sociais.

Trabalho flexível é uma construção…

Não apenas uma construção individual, mas uma construção que depende de uma grande mudança estrutural. Enquanto alguns lugares do mundo avançam para semana de 4 dias de trabalho e redução de carga horária, outros enfrentam a desigualdade e a falta de segurança psicológica nos ambientes de serviço.

Pode me chamar de alarmista. Mas além de enfrentar crise política, sanitária e econômica, estamos em plena CRISE DE HÁBITOS. Ansiosos, dormindo e comendo mal. E o trabalho (ou a ausência dele) tem muito a ver com isso.

Cada pessoa dá seu jeito para suportar os impactos emocionais de 2020/2021 e, ao mesmo tempo, tentar manter a sanidade e a produtividade. Mas e quando manter os excessos viram costume? E quando o “só hoje” vira uma sucessão infinita de dias?

Muitas pessoas buscam um trabalho flexível para ter mais tempo de cuidado, que é consumido por longas jornadas de trabalho.

Aproveito a ocasião para lembrar da responsabilidade que é cuidar do nosso corpo. Tudo tem um preço: as noites que viramos, substâncias que ingerimos, ritmos impossíveis que tentamos impor a nós mesmos, hábitos nocivos cuja interrupção a gente só vai adiando e adiando… Um dia a conta chega, e já chega com juros. Não somos máquinas. E encarar essa realidade é algo positivo porque nos ajuda a cuidar de nós mesmos.

Porque se a gente não se cuidar – e por isso, leia-se: se não houver organização pra isso (individual e coletiva) – vamos continuar no excesso. E os excessos, muitas vezes, escondem faltas.

Mais do que reflexos, os hábitos são espelhos. Ao olharmos para o essencial (nossas pequenas atitudes diárias que formam os grandes hábitos de uma vida), que a gente faça de tudo para perpetuar o cuidado. E que tenhamos garra para buscar e cultivar curas, fazendo bom uso dos remédios que estão à nossa disposição.

Em 2019, mesmo antes da pandemia, vinte mil brasileiros pediram afastamento médico por conta de doenças mentais relacionadas ao trabalho. Olha só a matéria que participei recentemente, comentando sobre isso.

Mais do que nunca, saúde é prioridade.

Incentivo você a organizar a vida para colocar saúde no centro e não o trabalho.

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