É válida a cessão, pelo arrendatário do imóvel, de posição contratual ou de direitos decorrentes de contrato do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), desde que o novo arrendatário atenda aos critérios do programa, haja respeito a eventual fila de espera e exista prévio consentimento da Caixa Econômica Federal (CEF), operadora do PAR.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deu provimento ao recurso especial em que a CEF pleiteou a reintegração de posse de imóvel cujos direitos foram cedidos pelos arrendatários originais a um casal. O colegiado constatou que os novos possuidores têm renda maior que a permitida pelo programa e não houve prévia autorização para a cessão pela instituição financeira, na condição de agente operadora do programa.
O casal pediu em juízo a declaração de validade do contrato particular de cessão de direitos, a fim de ser reconhecido como legítimo arrendatário do imóvel. A CEF, em reconvenção, pleiteou a reintegração de posse, alegando que a cessão foi indevida, o que configuraria esbulho possessório.
Programa de moradia para população de baixa renda
Em primeiro grau, foi acolhido o pedido do banco e negado o do casal, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) considerou irrisória a diferença de R$ 220 entre a renda do casal e o limite máximo para participação no programa. Assim, reconheceu a validade do contrato particular de cessão do arrendamento.
No STJ, a CEF sustentou que o TRF3 ignorou a cláusula contratual que previa a rescisão nos casos de transferência ou cessão de direitos dele decorrentes. Também defendeu que não pode contratar novo arrendamento do imóvel com o casal porque o critério de renda não admite flexibilização.
A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que o PAR foi criado pela Lei 10.188/2001 para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, por meio de arrendamento residencial com opção de compra ao fim do contrato.
Não há proibição de cessão de posição contratual ou de direitos pelo arrendatário
De acordo com a magistrada, a cessão, pelo arrendatário do imóvel, de posição contratual ou de direitos decorrentes de contrato de arrendamento com opção de compra ao final não tem previsão legal, mas não é proibida pelo artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei 10.188/2001, que impede a venda, a promessa de venda e a cessão de direitos sobre o imóvel, pelo prazo de 24 meses.
Isso porque, apontou a magistrada, tal proibição se aplica apenas às hipóteses em que o imóvel foi adquirido por meio do processo de desimobilização introduzido pela Lei 11.474/2007, ou seja, mediante alienação direta, sem prévio arrendamento; ou antecipação da opção de compra pelo arrendatário. Ela destacou que não havia essa vedação quando o programa foi criado.
Diante da ausência de vedação legal, a legalidade da cessão deve ser analisada a partir dos princípios e das finalidades do PAR, bem como por eventuais normas do Código Civil aplicáveis à espécie e que atentem ao programa. Assim, a cessão de posição contratual ou de direitos decorrentes do PAR é admitida por força dos artigos 6º, parágrafo único, e 10 da Lei 10.188/2001 e dos artigos 299, 421 e 425 do Código Civil – afirmou a relatora, ao considerar ilegal a cláusula de rescisão.
Validade da cessão é condicionada ao atendimento de três requisitos
A magistrada, contudo, asseverou que a cessão só será válida se houver o preenchimento dos seguintes requisitos: “I) atendimento, pelo novo arrendatário, dos critérios para ingresso no PAR; II) respeito de eventual fila para ingresso no PAR; e III) consentimento prévio pela CEF, na condição de agente operadora do programa”.
Além disso, a ministra lembrou que, segundo a jurisprudência do STJ, é possível a cessão de posição contratual em arrendamento mercantil, com base nos artigos 421 e 425 do Código Civil, sendo necessário o consentimento do credor, porque ele tem o direito de avaliar o risco de inadimplemento do novo devedor (REsp 1.036.530).
Ao reformar o acórdão recorrido para determinar a reintegração de posse em favor da instituição financeira, Nancy Andrighi ressaltou que, diferentemente do entendimento do TRF3, “não cabe à CEF flexibilizar os critérios para ingresso no PAR estabelecidos pelo Ministério das Cidades, sob pena de violação ao artigo 4º, inciso V e parágrafo único, da Lei 10.188/2001“.
Leia o acórdão no REsp 1.950.000.
STJ