A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não pode ser aplicado à relação jurídica firmada entre uma empresa vendedora de ingressos eletrônicos para eventos e uma sociedade especializada em serviços de intermediação de pagamentos on-line, pois não houve demonstração de vulnerabilidade de uma parte frente à outra.
De acordo com o processo, a vendedora de ingressos contratou os serviços da intermediadora de pagamentos, relação que perdurou por nove meses. A vendedora de ingressos ajuizou ação de cobrança alegando que 407 chargebacks (estornos de valores relativos a operações canceladas pelos clientes) foram debitados indevidamente em sua conta e que, contrariando o convencionado, a contratada não lhe apresentou a prova da efetiva venda dos ingressos.
O juízo de primeiro grau considerou que houve falha na prestação de serviços e condenou a intermediadora de pagamentos on-line a indenizar a autora da ação em cerca de R$ 114 mil por danos materiais. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão, julgando improcedentes os pedidos da autora e procedente a reconvenção apresentada pela ré.
Teoria finalista mitigada exige vulnerabilidade do destinatário final
No recurso ao STJ, a vendedora de ingressos alegou que a relação entre as partes seria de consumo; assim, com base no CDC, deveria ser declarada a inversão do ônus da prova e reconhecida como abusiva a cláusula contratual que transferiu a ela a responsabilidade pelos chargebacks.
A recorrente sustentou que seria hipossuficiente diante da parte contrária, uma empresa com atuação virtual em mais de 50 países, e que o contrato celebrado entre elas seria de adesão.
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o reconhecimento da condição de consumidor, com base na definição da teoria finalista, exige a utilização do produto ou do serviço como destinatário final. O STJ, no entanto, adota a teoria finalista mitigada, segundo a qual o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, ostenta vulnerabilidade técnica ou fática diante do fornecedor.
Hipossuficiência deveria ter sido demonstrada pela recorrente
De acordo com a magistrada, no caso em julgamento, a aplicação da teoria finalista pura não permitiria o enquadramento da recorrente como consumidora, “pois realiza a venda de ingressos on-line e contratou a recorrida para a prestação de serviços de intermediação de pagamentos. Ou seja, os serviços prestados pela recorrida se destinam ao desempenho da atividade econômica da recorrente”.
Quanto à possibilidade de reconhecer a recorrente como consumidora à luz da teoria finalista mitigada, a relatora ressaltou que cabe ao adquirente do produto ou do serviço comprovar sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, caso pretenda a incidência das normas do CDC.
No caso, porém, “a corte de origem, com base nas provas constantes do processo, concluiu que a recorrente não é vulnerável frente à recorrida, de modo que a alteração dessa conclusão esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ” – concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.
Leia o acórdão no REsp 2.020.811.
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