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Ela tirou quatro vezes notas acima de 900 na redação do Enem

Elizângela Santos Araújo, de 23 anos, é uma veterana em grandes notas na redação do Enem. No total, a estudante natural da cidade de Parnaíba, no Piauí, prestou a prova cinco vezes – duas dela, como treineira ainda no 1o. e 2o. ano do Ensino Médio. Ano a ano, as redações foram ganhando notas mais altas: começaram em 820, foram para 940, chegaram a 960 no 3o. ano, e depois disso pontuaram duas vezes 980. No início deste ano, a aluna começou o curso de medicina em uma faculdade particular.

“A redação do Enem precisa ser valorizada. É a única prova em que você pode obter nota 1000 ou chegar perto disso, o que valoriza muito a sua nota. Como eu sempre falo nos meus vídeos, não vamos esquecer o que cada competência pede. Até hoje eu sei o que cada uma exige”, diz Eliza que, de fato, hoje mantém uma conta no TikTok dando dicas de redação e pré-vestibulares. “Saiba que há uma competência para gramática, uma para proposta de intervenção, uma para conectivos, uma para repertório e organização das ideias, e uma que pede que você entenda a estrutura da redação e use as várias áreas do saber para argumentar.”

Elizângela é adepta da substituição de palavras para garantir uma boa nota no texto. “Considero muito importante ficar ligada em palavras novas de acordo com o que o exame pede. Por exemplo, substituir a palavra ‘problema’ por ‘impasse/revés’ ou ‘atualmente’ por ‘hodiernamente’”, diz. Para que isso seja bem sucedido, no entanto, é preciso ter grande domínio da língua, como reforçam os professores. Outra dica da estudante é ficar lendo as redações nota 1000 de outros anos.

Leia abaixo a redação quase perfeita de Eliza, que perdeu 20 pontos na Competência 1, no domínio da norma escrita. Em todas as outras competências, a estudante garantiu a nota máxima.

A análise do texto foi feita pela Rafaela Carvalho, Coordenadora de Redação do Poliedro Colégio.

Introdução

O filosofo judeu e crítico literário Walter Benjamin discorre acerca da valorização da cultura, tendo em vista a sua importância enquanto ferramenta de preservação da identidade de um povo. Nessa perspectiva, contrapondo-se à égide democrática, salienta-se a existência de desafios vividos pelas comunidades e povos tradicionais no Brasil, no que tange às etnias e aos saberes ancestrais desse contingente populacional, o que configura um quadro paradoxal ao discurso de Benjamin. Desse modo, urge analisar as causas que denotam essa conjuntura, a citar, o etnocentrismo da sociedade hodierna em consonância com a displicência do aparelho estatal.

Comentário da professora:

Logo na introdução, percebe-se que há uma apresentação produtiva do tema proposto por meio da citação de Walter Benjamin, que é um repertório sociocultural, ou seja, uma referência que faz parte do conhecimento de mundo da autora para além dos textos motivadores oferecidos pela prova. Uma referência como essa, quando bem usada, torna-se um diferencial para uma boa nota na Competência 2 do Enem, o que ocorreu nesse exemplo. Para formular a introdução, a candidata fez uma oposição entre a valorização da cultura proposta por Benjamin e a realidade brasileira, em que essa visão não se concretiza, que fica evidente pelo trecho “no que tange às etnias e aos saberes ancestrais desse contingente populacional, o que configura um quadro paradoxal ao discurso de Benjamin”. Além da contextualização, a introdução conta com um ponto de vista bem delimitado por meio de uma tese clara e organizada, em que é possível identificar duas causas para o problema enfatizado pela frase-tema – o etnocentrismo e a displicência do aparelho estatal frente a falta de valorização da cultura dos povos tradicionais. 

Desenvolvimento 1

Em primazia, ressai-se a inópia do respeito e conhecimento social no que se refere às culturas históricas, isto é, costumes tradicionais existentes no território brasileiro, os quais são pertencentes aos indígenas, quilombolas, ciganos, pescadores e ribeirinhos. Nesse viés, à guisa do polímata estadunidense Benjamin Franklin, a educação funciona como um instrumento elucidativo, uma vez que viabiliza a transformação da nação. Dessa forma, análogo a esse pensamento, é incontrovertível frisar os desafios enfrentados pelas comunidades e pelos povos tradicionais, em virtude de uma parcela dos cidadãos considerarem os seus costumes como centrais e, concomitantemente, não validarem diferentes formas de organização atreladas às línguas, aos saberes e às relações mantidas com a natureza. Além disso, vale ressaltar que esse preconceito acarreta a tentativa de silenciamento da identidade desses povos. Logo, pode-se inferir que a escassez de conhecimento gera a intolerância cultural.

Comentário da professora

O primeiro parágrafo de desenvolvimento retoma o aspecto do etnocentrismo citado na tese, mas vai além: a autora relaciona essa causa possível para a pouca valorização dos povos tradicionais brasileiros à falta de conhecimento sobre o assunto entre os cidadãos do país. Assim, o ponto de vista delimitado na tese, além de retomado, é associado a uma explicação possível para a persistência do problema na sociedade, que é reforçada pela teoria de Walter Benjamin. Esse é um dos muitos pontos positivos do planejamento que contribuíram para a nota máxima na Competência 3. Neste parágrafo, no entanto, observamos que há pontos que podem ter influenciado a atribuição de 160 na Competência 1 por um dos corretores, o que fez a nota ficar em 180 – a falta de paralelismo em “Em primazia, ressai-se a inópia do respeito e conhecimento social no que se refere às culturas históricas, isto é, [aos] costumes tradicionais existentes no território brasileiro…”  e o uso de vocabulário que pode ter gerado dúvida: em “é incontrovertível frisar os desafios” – o termo “incontrovertível” não tem o mesmo sentido de “importante”, mas sim, de “incontestável”, que não é adequado ao sentido da frase.

Desenvolvimento 2

Outrossim, destaca-se a inoperância do Estado, o qual mantém uma configuração de agente interventor de relevante interferência no processo vinculado à valorização do desenvolvimento sustentável, assim como atua no reconhecimento das diversas culturas, as quais fazem parte do Brasil. Ocorre que, consoante o filósofo contratualista Rousseau, o Estado, por intermédio do estabelecimento do denominado “contrato social”, se responsabiliza por assegurar a harmonia no convívio social e, por conseguinte, garantir os direitos da população. Sob esse prisma, observa-se a incumbência estatal quanto à elaboração de estratégias voltadas aos povos tradicionais, haja vista a necessidade de reconhecer e valorizar as comunidades extrativistas, bem como as famílias pescadoras. Depreende-se, portanto, o ensejo paradoxal existente entre a legislação e a realidade enfrentada por esses povos.

Comentário da professora:

O segundo desenvolvimento retoma a ideia de ineficiência do Estado em relação à preservação das culturas tradicionais brasileiras, principalmente, por não haver políticas para garantir o desenvolvimento sustentável e, assim, assegurar que povos como os pescadores tenham a subsistência garantida. Neste parágrafo, a autora faz uma relação efetiva entre o ponto de vista estruturado em forma de tese na introdução e uma base teórica sólida baseada no conceito de “contrato social” de Rousseau, o que garante boas notas nas Competências 2 e 3. Outro ponto relevante é o uso de “outrossim” no início, que somado ao “em primazia” do primeiro desenvolvimento, garante o uso mínimo de conectivos entre parágrafos para uma boa nota na Competência 4.

Conclusão

Dessarte, nota-se que medidas precisam ser adotadas com o intuito de tornar concreta a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Diante disso, o Governo Federal – quanto instância máxima de administração executiva – com o englobamento do Ministério do Desenvolvimento Social, pode atuar por intermédio da criação de um projeto, o qual seria inomeado “Cultura é identidade”, de forma a incluir o conhecimento sobre os saberes tradicionais de diversos povos na Escola brasileira, com o auxílio em massa do Ministério da Educação, com o fito de estimular a sua valorização. Ademais, é imprescindível a atuação da mídia referentes às campanhas publicitárias, as quais exponham dados a fim de conscientizar e diluir o etnocentrismo. Desse modo, o pensamento de Franklin será concretizado.

Comentário da professora:

A conclusão do texto é o fechamento dos problemas levantados na introdução e expandidos no desenvolvimento. No Enem, além dessa retomada, deve ser apresentada uma proposta de intervenção, na qual são sugeridas possíveis soluções para todos os pontos discutidos ao longo do texto. Assim, é possível fazer uma proposta que englobe toda a argumentação ou construir uma para cada informação levantada na tese – apenas uma delas precisa contar com cinco elementos obrigatórios para uma nota máxima na Competência 5: agente, ação, modo/meio, finalidade e detalhamento. A autora desse texto optou por fazer duas intervenções: uma que propõe solução para a questão da educação do Desenvolvimento 1 e outra para a questão da sustentabilidade levantada no Desenvolvimento 2. A proposta completa é a que se refere ao Desenvolvimento 1: Diante disso, o Governo Federal [AGENTE] – quanto instância máxima de administração executiva – [DETALHAMENTO] com o englobamento do Ministério do Desenvolvimento Social, pode atuar por intermédio da criação de um projeto, [MODO/MEIO] o qual seria inomeado “Cultura é identidade” [DETALHAMENTO], de forma a incluir o conhecimento sobre os saberes tradicionais de diversos povos na Escola brasileira [AÇÃO], com o auxílio em massa do Ministério da Educação, com o fito de estimular a sua valorização [FINALIDADE].

Apesar de a conclusão apresentar uma retomada efetiva dos argumentos e uma solução completa para boas notas nas Competências 3 e 5, há o uso do termo “inomeado” e a escrita de “Escola” com letra maiúscula, desvios de ortografia que pode ter feito um dos corretores atribuir nota 160 na Competência 1. 

Guia do Estudante

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