Aos 18 anos e no terceiro do Ensino Médio, José Eduardo Pascalicchio Bertozzi já realizou um feito e tanto: foi medalhista de bronze na Olimpíada Internacional de Biologia 2022 (IBO, da sigla em inglês). A competição aconteceu entre os dias 10 e 18 de julho deste ano, reunindo participantes dos 78 países na Armênia, leste europeu. Além da idade entre 15 e 18 anos, o estudante brasileiro tinha em comum com todos os outros jovens o fascínio pela biologia.
O amor de José pela área começou ainda quando pequeno e veio por meio de inspirações. Familiares que são da área da saúde, como o pai e a irmã – medalhista em uma Olimpíada Nacional de Neurociência – , foram um grande fator de influência para o jovem, que desde cedo se viu mergulhado em um ambiente ideal para explorar a biologia.
Mas nem só de paixão e coincidências se fez o caminho de José Eduardo até a IBO. O estudante também precisou de uma boa dose de dedicação para alcançar o pódio mundial.
Paulistano de nascimento, atualmente o estudante mora em Vinhedo, interior de São Paulo, onde cursa o último ano do Ensino Médio no colégio Etapa. Na escola, teve aulas preparatórias específicas para competições de biologia desde que estava no 9º ano.
Em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE, o medalhista contou sobre sua trajetória e preparação até a Olimpíada Internacional de Matemática – um caminho marcado por revisões, simulados, resolução de provas anteriores e muito estudo ativo.
“Eu demorei para realmente começar a estudar sozinho. O colégio me deu uma base muito boa, mas no final das contas, se eu quisesse me sair bem em competições, eu ia precisar aprender a estudar por conta própria. E também aprender a revisar sozinho as matérias que eram mais abordadas na competição”, conta o estudante.
José Eduardo, ao centro, que ganhou medalha de bronze na Olimpíada Internacional de Biologia 2022.Reprodução/Arquivo pessoal
Para ser selecionado para a competição internacional, o estudante primeiro teve que se classificar entre os 15 melhores da Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB), organizada pelo Instituto Butantan. Durante uma semana do mês de maio, José teve uma capacitação internacional do próprio Instituto, e, depois desse período, teve de realizar uma nova prova para se classificar entre os quatro melhores e ser chamado para a IBO.
Finalmente em terras armênias, José Eduardo e os outros competidores foram testados em provas práticas e teóricas das cinco grandes áreas da biologia escolar: bioinformática, botânica, zoologia, bioquímica, biologia molecular e microbiologia. Na edição de 2022, a competição premiou com a medalha de ouro 10% do total de competidores, o que representa 26 alunos com a melhor pontuação em todas as provas. A prata foi para 20% dos estudantes e as de bronze para outros 30%, de acordo com os resultados das avaliações.
Confira agora um pouco da conversa que tivemos com José Eduardo sobre seus momentos de preparação, além da experiência em participar de uma Olimpíada Internacional.
Guia do Estudante: Como foi todo o processo de estudar sozinho e se preparar para as matérias que são cobradas na IBO?
José Eduardo: Eu peguei muitas provas de anos anteriores e refiz todas. Cada uma delas tem 50 questões, então deu para treinar bastante. Também fiz muito resumo. Eu ia na biblioteca e pegava livros de conteúdos específicos que queria estudar para me aprofundar e fazer meus resumos. Porque as matérias que caem em competições são muito variadas, então você precisa decidir por conta própria o que vai estudar. Essa é a maior diferença entre estudar biologia para a escola e para as olimpíadas.
Na escola, os conteúdos são muito fechados, o professor fala o que vai cair na prova, você estuda e pronto. Para as olimpíadas você precisa ter muita independência, e saber por si mesmo o que vai estudar e como vai estudar.
Outra diferença é que as questões nas competições envolvem muitas relações entre os diferentes conteúdos, coisa que não acontece nas matérias da escola, onde essas conexões não são incentivadas. Às vezes você aprende uma coisa com bioquímica que consegue usar muito bem em hormônios, por exemplo. Então eu fazia esses resumos pra ter mais facilidade em relacionar assuntos. Isso é uma das coisas que me encanta também, essas correlações.
JE: Na IBO as provas são bem difíceis. São duas provas teóricas de três horas e quatro provas práticas de uma hora e meia. As provas práticas eles costumam mudar bastante, e estão sempre de alguma forma relacionadas ao país que está sediando a olimpíada. Nesse ano, por exemplo, nas provas práticas, a gente teve que identificar algumas espécies de peixes que existem na Armênia. Nas provas teóricas, caiu bastante conteúdo sobre neurociência, porque os cientistas armênios sempre focaram nessa área.
Dentro das provas práticas existe a parte de bioquímica, que neste ano era para medir a velocidade de uma reação com relação a alguns inibidores diferentes. Também existe a parte de bioinformática, que é uma prova diferente da outra. Nela, a gente tinha que montar uma cadeia metabólica, mexer com expressão de genes como alguns relacionados ao cérebro. Essa parte foi muito legal e também a que eu fui melhor.
Teve ainda a parte de fisiologia vegetal, em que tinha que medir a velocidade de fotossíntese de algumas lâminas de microscópio. Também caiu análise estatística. Por último, a zoologia, que foi aquela que mencionei que tivemos que identificar algumas espécies de peixes. Cada prova dessas durou uma hora e meia.
GE: O que você mais gostou em participar da IBO?
Acho que o que eu mais gostei foi conhecer todas as pessoas que foram para o evento. Porque você tem contato com gente de todos os lugares do mundo, e que têm o mesmo interesse que você. Então, eu tive contato com muitas pessoas de muitos países que gostam muito de biologia. Automaticamente você já tem algo em comum com eles.
É muito legal entender como funciona a escola, como funciona o sistema de instrução deles, a perspectiva que eles têm da biologia.
A Olimpíada em si achei que seria muito mais competitiva, como no vestibular, em que você vai fazer a prova e parece que todo mundo ali é seu competidor, um negócio muito fechado. Mas na IBO não foi assim, as pessoas realmente queriam se conhecer e conversar tranquilamente, entender a relação do outro com a biologia.
GE: O que significou para você ganhar uma medalha em uma olimpíada internacional?
JE: Olha, de cara eu fiquei muito feliz, em êxtase. Desde que eu ouvi falar da existência de uma competição internacional eu tive vontade de participar, mas sempre foi um sonho muito distante. Mas todas as inspirações que tive durante a vida sempre estiveram comigo e me influenciaram a ir atrás do meu sonho. E ter finalmente chegado lá, ficado entre os cem melhores e ter ganhado uma medalha para o Brasil foi muito legal, um sonho realizado. Eu não esperava, fiquei muito emocionado.
GE: Qual foi sua maior dificuldade em todo este trajeto?
JE: Acho que minha maior dificuldade foi a frustração. Comigo mesmo, digo. Porque eu sempre fui muito competitivo, no sentido de ser competitivo comigo mesmo, não com os outros. Como por exemplo no ano passado, em que eu fiquei muito nervoso na hora da prova da OBB e acabei trocando algumas alternativas, que estavam erradas, e não fui classificado para a seletiva internacional. Isso me frustrou muito.
E nesse momento foi um pouco difícil lidar com a frustração. Então o meu maior desafio foi levar essa pancada e realmente focar no meu objetivo, que era chegar na competição internacional. Por isso eu voltei a estudar ainda mais do que eu estudei antes, e foi graças a isso que eu consegui ir melhor no ano seguinte.
GE: Qual conselho você daria para quem também tem a vontade de participar de uma olimpíada internacional?
Primeiro que é muito importante que seja em uma matéria que você gosta e tem o desejo de se aprofundar mais. E a partir daí é correr atrás, estudar muito e se dedicar. A partir do momento que você tem a vontade e vai atrás, você percebe a beleza das matérias e do processo. É difícil, mas não é algo impossível. Inclusive, talvez eu seja apenas um dos exemplos para falar sobre isso, porque eu vim do ensino privado, estudei minha vida toda em escola privada, e isso para mim já foi uma grande vantagem. Mas também tem muita gente de diversos outros cenários, que vieram de escola pública, por exemplo, e que também chegaram lá.