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14 alunos conseguiram nota máxima na redação da Fuvest; veja exemplo

Na edição de 2023 da Fuvest, 14 candidatos conseguiram alcançar a nota máxima na redação. O tema da dissertação-argumentativa foi “Refugiados ambientais e vulnerabilidade social”. Além de reportagens e dados sobre o assunto, a banca disponibilizou textos de apoio dos escritores Graciliano Ramos e Ailton Krenak, e a fotografia Êxodos, de Sebastião Salgado.

Professores ouvidos pelo GUIA DO ESTUDANTE destacaram uma mudança no tipo de tema solicitado pela Fuvest. O vestibular da USP tem uma tradição de abordar temáticas mais abstratas e filosóficas – como a da edição de 2022, que tratava das “diferentes faces do riso”. A proposta deste ano mostrou uma semelhança maior com as propostas de exames como o Enem, que tratam de problemas sociais mais concretos. No entanto, a estrutura do texto e os critérios de correção seguiram sendo os mesmos de edições anteriores.

De acordo com as respostas esperadas divulgada pela própria Fuvest, uma abordagem satisfatória do tema precisava, necessariamente, “contemplar a questão específica dos refugiados ambientais na contemporaneidade e explorar de forma explícita o vínculo existente entre a migração forçada e a vulnerabilidade social, uma vez que os refugiados ambientais são majoritariamente os despossuídos”.

A paulista Gabriella Ferreira Marucci da Silva, 17 anos, está entre os 14 candidatos que tiraram 50, pontuação máxima, na redação. A nota do texto, junto com o desempenho excelente nas questões, garantiram à jovem o primeiro lugar em Medicina na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP).

Capitaloceno e o refugiado ambiental: degeneração neoliberal e ‘’Necropolítica’’

O sistema político-econômico neoliberal, difundido no século XXI, substancializa o axioma de máxima reprodução da lucratividade mediante a massificação do consumo neoliberal calcado na superexploração dos recursos naturais e na petrificação da sobreposição do homem ao meio natural para a consolidação do Capitaloceno – signo para a era geológica hodierna na qual a intensificação da presença de poluentes atmosféricos, a fragmentação de ecossistemas e as mudanças climáticas ameaçam não somente a preservação da biodiversidade animal e vegetal, como também a própria sobrevivência antrópica no planeta. Dessa maneira, desdobramentos migratórios forçados em razão da fragilização ambiental, aspecto fulcral da reverberação moderna do Capitaloceno, elegem a alienação do indivíduo na instrumentalização do capital e a desestruturação da ordem democrática.

‘’A priori’’, o hodierno é permeado pelo viés capitalizante engendrado ao fundamentalismo neoliberal da sociedade utilitarista. Acerca disso, consoante o ativista indígena Ailton Krenak, em ‘’A vida não é útil’’, a reverberação do capitalismo como normatizador do tecido social manifesta a imperatividade do modus vivendus do consumismo material, de modo que o homem, anteriormente inserido nas coletividades agrárias tradicionais, pautadas na visão da natureza como integrante da subjetividade mística e cultural e na utilização dos recursos naturais para a subsistência e para a preservação das gerações futuras, torna-se ensimesmado na lógica mercadológica da perspectiva utilitarista da natureza, na qual a fauna e aflora são meros recursos exploráveis para o progresso materialista da sociedade capitalizada. Nessa perspectiva, o refugiado ambiental, ao se deslocar compulsoriamente do seu meio natural- fragilizado- para o tecido social alienado no apogeu do Neoliberalismo, instrumentaliza-se como homo economicus marcado pelo imperativo do poderio financeiro como símbolo de ascensão social e pela exploração da mão de obra produtiva para obtenção de remuneração rentária irrisória. Assim, reitera-se a coercitividade da visão utilitarista da natureza- intrínseca ao Capitaloceno- em detrimento da interação harmônica homem-meio. 

Considera-se, por conseguinte, a vulnerabilidade social do refugiado ambiental- deslocado forçadamente para se inserir na égide do capital da sociedade- é salientada pelo desmonte da cidadania desse estrato social. Sob esse viés, segundo o teórico Achille Mbembe, em ‘’Necropolítica’’, nas coletividades hodiernas, a exclusão social sedimenta-se diretamente, com a legitimidade do emprego da violência pelo grupo social hegemônico para a eliminação de uma minoria da população, e indiretamente, com a não fruição das prerrogativas assistencialistas e dos direitos sociais institucionalizados. Nesse sentido, o refugiado ambiental, na migração compulsória, estrutura-se como minoria subalternizada na nova configuração social e é alijado do acesso à cidadania para a manutenção de seu locus social de subalternidade, de maneira que a não fruição de políticas assistencialistas de distribuição de renda, de acesso à educação e à saúde, nas sociedades neoliberais nas quais a consolidação da cidadania plena é determinada pelo elevado poderio financeiro do indivíduo, assegura o cerceamento dos direitos humanitários desse grupo. Desse modo, a normatização do refugiado ambiental como minoria na lógica de exclusão social reitera o desmonte da isonomia social e da cidadania na ordem democrática para a prevalência do status quo de vulnerabilidade social. 

Em suma, o refugiado ambiental emerge no contexto hodierno de degeneração ambiental determinante do Capitaloceno, calcado na égide do capital no Neoliberalismo. Portanto, sua vulnerabilidade social substancializa-se na alienação na lógica de exploração do homo economicus e no desmonte do Estado Democrático de Direito, pautado na universalidade da cidadania, pela consolidação da ‘’Necropolítica’’.

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